Pessoas com Deficiência: um perfil das vulnerabilidades e oportunidades laborais na RMC

Nota Técnica:

Pessoas com Deficiência: um perfil das vulnerabilidades e oportunidades laborais na RMC

PROFESSOR EXTENSIONISTA (PUC-Campinas):

Profa. Dra. Eliane Navarro Rosandiski

Discentes:

Giovanna Hitomi Shimada Rigo

Giuliana Resende Caricilli

Matheus Augusto de Souza Alexandre

 

Apresentação

Esta nota técnica foi elaborada a partir dos dados organizados para uma palestra para o Grupo de Pesquisa: Saúde, Direitos Humanos e Vulnerabilidades do mestrado em direito do Programa de Pós-graduação da PUC-Campinas, cujo tema foi Políticas Públicas e Pessoas com Deficiência.

Segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007):

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (ONU, 2007, Art. 1).

Tomando como referência o comprometimento com a promoção da inclusão social, econômica e educacional de pessoas com deficiência, aliado ao desenvolvimento de políticas públicas que busquem minimizar os efeitos de vulnerabilidade, esta Nota Técnica tem como objetivo contribuir para o debate quanto aos desafios para a inclusão das Pessoas com Deficiência (PcD).

Os desafios enfrentados por este grupo serão mapeados a partir de duas fontes de informações secundárias disponíveis: o Novo CAGED, do Ministério Trabalho; e os dados do CADÚnico, do Ministério de Desenvolvimento Social. Tais fontes permitirão compreender a dinâmica de alocação no mercado de trabalho e traçar o perfil da vulnerabilidade das famílias. Cabe antecipar que os dados de mercado de trabalho referem-se à Região Metropolitana de Campinas (RMC), porém o perfil da vulnerabilidade estará restrito ao município de Campinas

Ainda que esta nota tenha como objetivo principal apresentar os indicadores que auxiliam na construção do quadro-diagnóstico, faz-se necessário uma breve apresentação dos conceitos que nortearam a escolha dos indicadores que serão discutidos ao longo desta nota.

Introdução: Conceituação

Dois aspectos interconectados circunscrevem o tema das pessoas com deficiência (PcD), o primeiro diz respeito à sua conceituação e o segundo, decorrente do primeiro, diz respeito à inclusão.

A tentativa de compreender o debate em torno do conceito de Pessoas com Deficiência (pcD) remete à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2008 por meio do Decreto Legislativo no 186/08 e do Decreto no 6.949 de 25 de agosto de 2009. Nesta convenção Nações Unidas em 2007 foram conceituadas “pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2014a, p. 7).

Entende-se como inclusão, o fenômeno da consolidação do direito que todo e qualquer cidadão tem de participar ativamente da sociedade. Em se tratando das pessoas com deficiência, a busca pela inclusão também está atrelada à garantia dos seus direitos fundamentais, firmados pela Constituição Federal. Tais direitos abrangem a esfera da saúde, da necessária inclusão escolar, e do acesso ao trabalho, que se constitui como uma etapa decisiva para a conquista plena da cidadania por parte desse segmento populacional.

Cabe, no entanto destacar que, no Brasil, o conceito de Pessoa com Deficiência (PcD) tem como base a definição da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), de 2001, que abrange: condição de saúde, deficiência, limitação da atividade e restrição da participação social, e concebe, ainda, a interação da pessoa com deficiência e barreiras existentes como geradoras de situação de dependência. Vale dizer, o Decreto nr. 5.296/2004 categoriza, em seu artigo 5o, as deficiências em física, auditiva, visual, mental e múltipla (BRASIL, 2004a). Tal conceito está na base da construção de políticas públicas de inclusão,

Historicamente, algumas ações têm sido realizadas em busca da superação da “invisibilidade” dessa população. Seguem alguns exemplos:

  • A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91), que estabelece proporções para empregar pessoas com deficiência de acordo com a quantidade de funcionários da empresa e o pagamento de multas caso o não cumprimento dessa norma;
  • O Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/15), é possível identificar normas fundamentais quanto ao direito do trabalho: de acordo com art.34, parágrafo 2o. “A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.” (BRASIL, 2015);
  • A Resolução 109 da Política Nacional de Assistência Social (PNAES) tipifica os serviços socioassistenciais e orienta o acolhimento de jovens e adultos com deficiência, que não disponham de condições de autossutentabilidade ou de retaguarda familiar, na modalidade de alta complexidade. Surgem experiências de abrigos, casas-lares, casas de passagem, residências inclusivas.

No Brasil, a Constituição de 1988 foi um importante marco à medida que, além de representar uma nova etapa da democracia brasileira, definiu diretrizes gerais e incluiu, em seu texto, os direitos inatos das pessoas com deficiência.

No entanto, dentre avanços e retrocessos, ficam os desafios: (i) garantir mobilidade profissional das PcD dentro das empresas, visto que, em geral, as cotas de ingresso de PcDs em vagas de trabalho, que deveriam ser concebidas com esse propósito de integração, toram-se exclusivas para PcD, visto que ficam associadas à determinada posição ou setor para um tipo de deficiência; (ii) constatação da necessidade de uma transformação nos serviços de acolhimento para assegurar autonomia e romper com prática assistencialista, que apenas assegura os cuidados básicos, higiene, alimentação e moradia; e, como consequência dos anteriores, a (iii) revisão do conceito de pessoa com deficiência.

Isto remete a uma reflexão quanto à inclusão. Na verdade, importante compreender que a causa da exclusão não deve ser buscada no corpo da pessoa com deficiência, mas no meio social que lhe impõe barreiras — sejam elas físicas ou sociais. Mais especificamente, a deficiência “não deveria ser entendida como uma tragédia pessoal fruto da loteria da natureza, mas como um ato de discriminação permanente contra um grupo de pessoas com expressões corporais diversas” (DINIZ, 2012, p.19).

Como dito anteriormente, o propósito desta nota é elaborar e apresentar alguns indicadores que possam contribuir com este importante debate no campo dos direitos humanos. Entende-se que este marco conceitual seja capaz de embasar os dados que serão apresentados nas artes 1 e 2 a seguir.

Parte 1. Mercado de Trabalho: fluxos de contratação e desligados como proxy da inclusão

Neste item serão apresentados os dados e indicadores que apresentam uma proxy da dinâmica do mercado de trabalho na RMC. O recorte apresentado a partir dos dados do Cadastro Geral de Admitidos e Desligados (NovoCAGED) por apresentar as características dos fluxos de pessoas admitidas e desligadas permite qualificar as estratégias de incorporação da força de trabalho. No entanto, tais informações estão circunscritas ao mercado de trabalho formal, em que a relação de trabalho está vinculada e regulada por um contrato de trabalho. Fato que permite que os fluxos de admitidos e desligados e seu perfil de remuneração reflitam a forma de incorporação de PcD pelas atividades econômicas.

Metodologicamente os indicadores da demanda por trabalho serão construídos levando em conta os padrões de remuneração, as atividades econômicas e os cargos/ocupações associados e as características do trabalhador selecionado, tais como sexo, faixa etária e escolaridade.

Ainda que os dados disponíveis para RMC não sejam possíveis de comparação, pois estão restritos ao emprego formal, com contrato de trabalho, os dados disponíveis para pelo IBGE para o Brasil chamam atenção para dois aspectos: a baixa taxa de participação de PcD no mercado de trabalho, em torno de 30-36%% para uma média nacional de 61- 62%. A despeito da maior taxa de participação ser para homens pretos e pardos, homens e mulheres de cor brancas apresentarem maiores taxas de formalização. Vale observar que as maiores taxas de desemprego estão entre as mulheres.

Quadro 1. Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. Brasil, 2019


Fonte: Pesquisa Nacional de saúde, apud Nota Técnica IBGE, 2019

Os dados a seguir referem-se ao saldo de emprego (contratos de trabalho) gerados na RMC no período de janeiro de 2022 a abril de 2023. Vale destacar que este foi um período de recuperação do emprego pós crise pandêmica.

Para iniciar o mapeamento o primeiro aspecto a ser sublinhado diz respeito ao saldo de emprego por tipo de deficiência. Observa-se que dentre os trabalhadores selecionados o maior percentual no saldo (38%) era de deficiência física, seguindo pela auditiva, visual e mental, 19%, 18% e 17%, respectivamente.

Gráfico 1. Percentual de Admitidos por tipo de deficiência RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

As informações das Figuras 1 e 2 a seguir confirmam apontam vigoroso movimento de retomada das contratações no período de janeiro de 2022 e abril de 2023: um saldo de 68,5 mil novos contratos de trabalho. No entanto, a esta retomada geral não acompanhado para as PcD. Ao contrário, neste grupo observou-se o saldo negativo de 182 contratos de trabalho

Figura 1: Saldo de Movimentações. RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Importante destacar que neste saldo negativo, 47% possuíam nível superior completo. Quando desagregado por faixa etária o saldo apresenta uma especificidade: saldos negativos nas faixas acima de 25 anos foram parcialmente compensados por saldos positivos nas faixas abaixo de 25 anos.

Figura 2: Saldo de Movimentações Pessoas com Deficiência. RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Uma questão que chama atenção na composição do saldo do emprego formal, é que, tal como observado para o total das ocupações, também a participação de mulheres é menor. Nesse total 70% do saldo foi preenchido por homens.

Os gráficos 2 e 3 a seguir permitem a comparação entre os salários dos admitidos das pessoas sem deficiência e os salários pagos aos PcD. Independente da faixa de escolaridade e da faixa etária, os salários dos PcD são inferiores. A única exceção foi observada na faixa acima de 65 anos.

Gráfico 2. Salários Médios por faixas de escolaridade RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Gráfico 3. Salários Médios por faixas Etária RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Estas informações das informações quanto aos salários de admitidos devem se combinadas em conjunto com as informações de rotatividade. Se, por faixa de escolaridade é visível a intensa rotatividade dentre os trabalhadores com ensino médio, por faixa etária, este movimento se observa com mais intensidade na faixa de 25 a 39 anos.

Gráfico 4. Fluxo de admissões e desligamentos de PcD por faixa de escolaridade, RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Gráfico 5. Fluxo de admissões e desligamentos de PcD por faixa de etária, RMC. 2022 a 2023 (abril)

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

Até o momento, os dados apresentados permitem elaborar um padrão de uso de PcD em que prevalece a opção de substituição de trabalhadores mais maduros por mais jovens e sem uma grande demanda por maiores níveis de escolaridade. Considerando que trabalhadores mais jovens apresentam um salário de admissão mais baixo, provavelmente esta estratégia está associada a busca por redução de custos.

Os dados a seguir, tabelas 1 e 2, irão traçar um perfil dos setores e as ocupações mais demandadas.

Tabela 1. Fluxos e Saldo de emprego de PcD por setor de atividade. RMC. 2022 a 2023 (abril)

Setor CNAE Admissões Demissões Saldo Média Salarial Admitidos Média Salarial Demitidos
Comércio, Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas 1.041 943 98 R$ 1.705,85 R$ 2.021,80
Indústrias de Transformação 876 928 -52 R$ 2.172,50 R$ 2.632,91
Atividades Administrativas e Serviços Complementares 298 456 -158 R$ 1.770,65 R$ 1.705,82
Informação e Comunicação 236 170 66 R$ 4.082,42 R$ 4.196,26
Transporte, Armazenagem e Correio 232 246 -14 R$ 1.747,63 R$ 1.979,11
Construção 181 181 0 R$ 1.579,42 R$ 2.232,21
Educação 158 224 -66 R$ 1.870,15 R$ 2.617,85
Saúde Humana e Serviços Sociais 127 175 -48 R$ 1.794,33 R$ 1.992,45
TOTAL 3.533 3.715 -182 R$ 2.066,37 R$ 2.337,84

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

As atividades de comércio e serviços de informação e comunicação foram as únicas a apresentar saldo positivo de 98 e 66 novos contratos de trabalho, respectivamente. Porém chama atenção a grande rotatividade no comércio e a melhor padrão de remuneração nos serviços de informação.

Tabela 2. Fluxos e Saldo de emprego de PcD por ocupação. RMC. 2022 a 2023 (abril)

Ocupações Admissões Demissões Saldo Média Salarial Admitidos Média Salarial Demitidos
Maiores Fluxos de Admitidos
Escriturários em Geral, Agentes, Assistentes e Auxiliares Administrativos 704 724 -20 R$ 1.741,20 R$ 1.891,27
Embaladores e Alimentadores de Produção 458 348 110 R$ 1.695,65 R$ 1.758,85
Vendedores e Demonstradores 419 355 64 R$ 1.587,45 R$ 1.857,99
Trabalhadores nos Serviços de Administração, Conservação e Manutenção de Edifícios 225 233 -8 R$ 1.486,38 R$ 1.484,55
Escriturários de Controle de Materiais e de Apoio à Produção 183 164 19 R$ 1.837,10 R$ 1.955,42
Maiores Saldos
Embaladores e Alimentadores de Produção 458 348 110 R$ 1.695,65 R$ 1.758,85
Vendedores e Demonstradores 419 355 64 R$ 1.587,45 R$ 1.857,99
Profissionais da Informática 123 79 44 R$ 5.053,98 R$ 5.968,53
Caixas Bilheteiros e Afins 115 95 20 R$ 1.682,67 R$ 1.770,04
Operadores de Instalações em Indústrias Químicas, Petroquímicas e Afins 58 38 20 R$ 2.145,54 R$ 2.441,08
TOTAL 3.533 3.715 -182 R$ 2.066,37 R$ 2.337,84

Fonte: Elaboração Própria. Microdados NovoCAGED/MTP. Observatório PUC-Campinas.

As ocupações mais demandadas estão compatíveis com os setores que mais dinâmicos: embaladores e alimentadores de linhas de produção, vendedores, mais ligados às atividades de comércio, e dos profissionais de informática. Cabe destacar que as ocupações mais demandas com maior participação no fluxo de admitidos apresentam salário de admitidos inferiores à média dos salários pagos aos admitidos PcD na RMC.

Parte 2. Aspectos da Vulnerabilidade: realidade da exclusão

Como visto no item anterior os dados do mercado da inclusão do mercado de trabalho formal apontam para uma baixa participação. Diante desta baixa capacidade de inclusão, cabe caminhar para o outro extremo e mapear a condição de vulnerabilidade dessas pessoas.

Apesar do conceito de vulnerabilidade ser multidimensional, muitas vezes ele é sintetizado no padrão de acesso aos recursos financeiros. Apesar de compreender que o padrão de renda deve ser entendido um dos componentes da vulnerabilidade, e que uma discussão mais ampla da vulnerabilidade deve ser feita em conjunto com atributos pessoais e sociais, neste trabalho será feito o recorte da dimensão renda como proxy da vulnerabilidade.

O conjunto de indicadores apresentados a seguir tem origem no Cadastro Único e permitem traçar as características da população identificada nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) que procuraram tais Centros para acessar algum programa público vinculada à alguma política pública. Tal como o item anterior, os dados apresentados a seguir representam um recorte que possibilitam identificar e caracterizar a população com deficiência (PcD), com destaque às demandas/vulnerabilidades deste grupo e suas famílias.

No Cadastro Único, em 2022, dentre as pessoas que identificadas com algum tipo de deficiência, a deficiência física, a deficiência mental e o transtorno mental apresentaram maior incidência em Campinas.

Gráfico 6. Principais tipos de deficiência identificadas no Cadastro único. Campinas, 2022

Gráfico, Gráfico de pizza Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaboração própria CadÚnico, Observatório PUC-Campinas, 2022

Este grupo de 26.892 pessoas com deficiência representa 9% do total de pessoas no cadastro. Neste grupo três características chamam atenção: (i) 54%, ou aproximadamente 14,5 mil, são chefes de família, (ii) 67% têm baixíssima escolaridade: sem instrução ou fundamental incompleto; e (iii) 64% são adultos.

Quadro 2. Perfil selecionado de Pessoas com Deficiência no Cadastro Único em Campinas, 2022

Campinas -2022 Pessoas Com Deficiência
Características % Total
Total PcD 26.892
Chefes de Família 54% 14.489
Homens 52% 14.004
Brancos 51% 13.616
Sem Instr./Fund. Incompleto 67% 17.900
Morador de Rua 1% 269
Adulto 64% 17.254
Bolsa Família 18% 4.708
% no CadÚnico 9%

Fonte: Elaboração própria CadÚnico, Observatório PUC-Campinas, 2022

A avaliação conjunta da caracterização deste grupo de pessoas com o perfil de renda mostra que das 61 mil pessoas em extrema pobreza 9% são chefes de família, e neste grupo 77% foi elegível para o Programa Bolsa Família.

No entanto, nas famílias com renda per capita acima de ½ Salário Mínimo, o fato 22% os chefes apresentarem algum tipo de deficiência indica que nestas famílias existe renda oriunda do trabalho, de algum membro ou do próprio chefe e/ou acesso a algum tipo de programa social que que amplia a renda domiciliar.

Este perfil de classificação das famílias que apresentam em sua composição um ou mais indivíduos com deficiência ressalta a importância das políticas assistenciais na redução da vulnerabilidade pelo não acesso ao mercado de trabalho.

Quadro 3. Estimativa de classificação da vulnerabilidade de renda dos domicílios chefiados por Pessoas com Deficiência no Cadastro Único em Campinas, 2022

Campinas – 2022 CHEFES DE FAMÍLIA (= domicílios)
TOTAL % PcD % PcD cque recebe BF
Extrema Pobreza 61.512 9% 77%
Pobreza 11.859 4% 37%
R$211 até 1/2 SM 25.003 9% 4%
Acima de 1/2 SM 27.558 22% 0%
Total 125.932 12% 32%

Fonte: Elaboração própria CadÚnico, Observatório PUC-Campinas, 2022

Por fim, o quadro 4, diferente da informação anterior que classifica as famílias/domicílios, refere-se ao número de pessoas com deficiências no cadastro. Neste caso, mais uma camada pode ser adicionada a vulnerabilidade da renda: a faixa etária. Vale destacar que em estrema pobreza há maior participação de idosos (mais de 65 anos). Nas faixas maiores de renda há maior participação de adultos. Este perfil pode ser um indicativo da dificuldade das PcD mais maduras se inserirem no mercado de trabalho.

Quadro 4. Estimativa de classificação da vulnerabilidade de renda das Pessoas com Deficiência, por faixa etária, no Cadastro Único em Campinas, 2022

Campinas 2022 % de Pessoas com Deficiência no Cadastro TOTAL PcD
Jovem Adulto Idoso Total -PcD
Extrema Pobreza 2% 8% 22% 6% 8.535
Pobreza 2% 4% 15% 4% 1.173
R$211 até 1/2 SM 8% 11% 20% 11% 7.714
Acima de 1/2 SM 7% 18% 23% 19% 9.470
Total 4% 10% 22% 9% 26.892
TOTAL PcD 3.154 17.254 6.484 26.892

Fonte: Elaboração própria CadÚnico, Observatório PUC-Campinas, 2022

Comentários Finais / Pontos para reflexão

A despeito dos avanços no campo da regulamentação, o conjunto de informações disponíveis apontam para os grandes desafios a serem superados pelas pessoas com deficiência (PCD).

Apesar dessa nota não ter mensurado o estoque de PDC inserido no mercado de trabalho da RMC, sua participação no fluxo permite estimar que este volume seja muito baixo.

Além disso, num cenário de recuperação do emprego, o saldo negativo de PCD revela a dificuldade de inserção e aproveitamento deste conjunto de trabalhadores. Cenário ganha novos contornos, sobretudo, quando se constata que as admissões só superaram as demissões nas faixas etárias mais jovens, normalmente associadas aos menores salários decorrentes de estratégias de rotatividade para redução de custos, em especial em ocupações que exigem menor nível de qualificação.

Evidentemente este padrão de uso do trabalho amplia consideravelmente a vulnerabilidade dos PcD mais velhos. O perfil descrito no CadÚnico ilustra este ponto.

Convém destacar que os salários médios pagos os PCD praticamente em todos os níveis de escolaridade e faixas etárias são mais baixos.

Considerando esses desafios da inclusão no mundo laboral a questão permanece, quais os caminhos para a cidadania?

Pode-se inferir que parte dos PCD está inserida em alguma rede familiar que possivelmente garante seu bem-estar. No entanto, os dados do CADÚnico atestam a importância da política pública, com viés assistencialista, como ferramenta para mitigar a vulnerabilidade dos grupos sociais não inseridos no mercado de trabalho.

Tais indicadores permitem algumas reflexões para debates que orientam o tema da inclusão, em especial no campo institucional. Se existem leis de cotas e de garantia de equidade de remuneração, como é feita a fiscalização? Vale destacar a baixa participação de PcD no mercado de trabalho e os padrões de remuneração identificados neste trabalho.

No campo das políticas públicas, a constatação da exclusão desse grupo do mercado de trabalho os coloca numa situação de vulnerabilidade extrema, dependentes de um conjunto de políticas assistencialistas para vulnerabilidade de renda.

Neste cenário, evidencia-se a falta de um conjunto articulado de políticas públicas que deveriam ser desenhadas para, além do assistencialismo, serem capazes de promover sua integração com a sociedade. Para isto, qualquer desenho de política pública par PcD tem que retomar o conceito, a compreensão, de que a inclusão de pessoas com deficiência é um mecanismo que resulta da ação social. Ou seja, superar antigas definições baseadas na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que sustentam políticas públicas assistencialistas e com viés estigmatizante e segregante.

Para finalizar, cabe reafirmar que políticas públicas baseadas em CIF, ainda traz um viés que conflita com o conceito de inclusão proposto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas em 2007.

Além disso, a Resolução 109 da Política Nacional de Assistência Social (PNAES) tipifica os serviços socioassistenciais e orienta o acolhimento de jovens e adultos com deficiência, que não disponham de condições de autossutentabilidade ou de retaguarda familiar, na modalidade de alta complexidade. A despeito das ações identificadas nesta direção, faz-se urgente uma transformação profunda nestes serviços de acolhimento, mais especificamente, romper com suas práticas meramente assistencialistas, que apenas assegura os cuidados básicos, higiene, alimentação e moradia e transformá-los em centros capazes de assegurar autonomia.

Como afirmou o físico Stephen Hawking no preâmbulo do World report on disability (2011): A deficiência não precisa ser um obstáculo para o sucesso. […] temos a obrigação moral de remover as barreiras à participação e de investir recursos financeiros e conhecimento suficientes para liberar o vasto potencial das pessoas com deficiência.

  • Reconhecer PcD é de longo prazo é entender que a integração pressupõe romper barreiras sociais de preconceito e promover acessibilidade.
  • Criação de cotas no mercado de trabalho é tentativa promover a integração, porém vagas criadas são específicas e dificultam mobilidade. Adaptações no ambiente de trabalho
  • Políticas públicas baseadas em CID, ainda traz um viés que conflita com o conceito de inclusão proposto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas em 2007
  • Resolução 109 da Política Nacional de Assistência Social (PNAES) tipifica os serviços socioassistenciais e orienta o acolhimento de jovens e adultos com deficiência, que não disponham de condições de autossutentabilidade ou de retaguarda familiar, na modalidade de alta complexidade
  • Transformar os serviços de acolhimento para assegurar autonomia e romper com prática assistencialista, que apenas assegura os cuidados básicos, higiene, alimentação e moradia

 

Referências Bibliográficas

https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>

Lei Brasileira de Inclusão de pessoas com deficiência: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

World Health Organization, The World Bank. World report on disability 2011. WHO Library Cataloguing-in-Publication Data. Disponível em: <https://www.who.int/teams/noncommunicable-diseases/sensory-functions-disability-and-rehabilitation/world-report-on-disability>. Acesso em: 3 de junho de 2023.

 



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