Nota Técnica: Impacto da MP 905/19 sobre o Mercado de Trabalho de Jovens na Região Metropolitana de Campinas Novembro de 2019

PROFESSOR EXTENSIONISTA

Profa. Dra. Eliane Navarro Rosandiski

No Brasil, os indicadores recentes sobre o mercado de trabalho mostram que o desemprego atinge 12,5 milhões de pessoas. Ainda conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) / IBGE:

  • 44% dos ocupados são informais;
  • 26% são trabalhadores e trabalhadoras por conta própria;
  • entre os ocupados, 8% estão subocupados por insuficiência de horas;
  • dentre os que estão fora da força de trabalho, 7,3% são desalentados; e
  • dentre os que procuram trabalho.

Ainda segundo os dados da PNAD/IBGE, observa-se que a taxa de desemprego entre os jovens é alarmante, em especial entre os de 14 a 17 anos. Observa-se que em São Paulo mais da metade desse grupo etário não encontra oportunidade de trabalho. No entanto, esse grupo representa cerca de 9% do grupo de indivíduos que buscam trabalho.

O grupo de 18 a 24 anos se destaca, visto que os indivíduos nesta faixa etária representam 35% da força de trabalho que buscam emprego em São Paulo. A taxa de desemprego neste grupo etário em São Paulo está estimada em 28%.

Diante desse cenário adverso aos jovens, o Governo Federal editou uma Medida Provisória que altera um conjunto de regras na contratação da força de trabalho, com o objetivo de estimular o emprego, em especial o de jovens.

Esta nota tem como objetivo fazer uma avaliação do impacto da Medida Provisória (MP 905, de 11/11/2019) editada pelo Governo Federal com o pretexto de incentivar a contratação de jovens no mercado de trabalho. E, além disso, refletir sobre o alcance dessa MP 905/2019 em reverter a crise do mercado de trabalho brasileiro.  Acredita-se que, do ponto de vista do mercado de trabalho formal, há o risco de ampliar a precarização.  

Cabe recuperar aqui que os informativos mensais publicados pelo Observatório PUC-Campinas mostram que, nos últimos dois anos, o saldo de contratação de jovens já vem superando a contratação de pessoas mais velhas e que o valor médio do salário dos admitidos tende a ser inferior a 1,5 salários-mínimos.

Porém, para avaliar melhor o impacto da MP, é necessário mostrar alguns dos principais pontos dessa medida:

  1. Jovens entre 18 e 29 anos que não tenham tido nenhum emprego anterior com carteira assinada.
  2. Poderão ser contratados na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo os trabalhadores com salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio nacional.
  3. Prazo máximo de 2 anos.
  4. Fica autorizado o trabalho aos domingos e aos feriados.
  • Empresas que adotarem este tipo de contrato terão isentas sobre a folha de pagamentos dos contratados a contribuição previdenciária de 20% destinada à Seguridade Social.
  • Além disso, a MP prevê que, nesta modalidade, a alíquota mensal relativa à contribuição devida para o FGTS será de 2% – e não 8% – independentemente do valor da remuneração.
  • Fica assegurado, além da remuneração, o pagamento de décimo terceiro salário e férias com acréscimo de um terço.
  • A indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, prevista no art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, será paga sempre por metade, sendo o seu pagamento irrevogável.

Segue agora um conjunto de dados sobre a participação de jovens no mercado de trabalho formal da Região Metropolitana de Campinas (RMC).

Segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que mostra o estoque de empregados, observa-se que a participação dos jovens na faixa de 18 a 29 anos no estoque de emprego é de 28%, ou seja, cerca de 281 mil empregados.

Entre os jovens de 18 a 24 anos, o salário médio é de R$ 1.708,58; e na faixa de 25 a 29 anos, R$ 2.514,98.

Por escolaridade, esta faixa etária possui com ensino médio incompleto e ensino médio completo (36%). Muitos estão com superior (50%) incompleto, o que é compatível com período de formação escolar.

Por setor de atividade, suas maiores participações relativas são nos segmentos de que compõem os setores de serviços, em sua maioria atividades de comércio: 42% comércio varejista.

Porém, a análise deve ser feita a partir do perfil das admissões na RMC, em especial no período recente, visto que mostra a tendência dinâmica.

Os dados do Saldo de emprego e do Fluxo de Contratados mostra que tanto em 2018 como em 2019 (até setembro) há uma tendência à contratação da força de trabalho jovem.

No fluxo de contratados, 28% está na faixa etária de 18 a 24 anos e 18% na faixa de 25 a 29 anos. O salário médio dos contratados fica em torno de R$ 1.451,90 e R$ 1.823,99, respectivamente.  

De forma mais específica, a análise do perfil dos 153 mil admitidos na RMC entre janeiro e setembro de 2019 com salário inferior a R$ 1.500,00 mostra que:

  • 53% desses admitidos (80,9 mil) pertencem à faixa etária de 18 a 29 anos;
  • 60% dos admitidos nas atividades de comércio, assim como metade dos admitidos nas atividades de serviços e na indústria de transformação têm este perfil.

Além disso, é importante destacar que a RMC vem promovendo uma substituição de empregados mais velhos por trabalhadores mais jovens. Os dados do saldo de emprego de 2019 mostram que foram criadas pouco mais de 15 mil vagas entre janeiro e setembro de 2019. Dessas vagas, 10,9 mil foram para jovens de 19 a 24 anos.

Chama atenção que tais jovens, além de ter salário mais baixo, em sua maioria, são contratados para uma jornada de trabalho de média de 43 noras semanais.

Uma estimativa do impacto dessa MP mostra que, se ela tivesse sido editada no início deste ano, cerca de 80 mil jovens admitidos teriam sido contratados de forma mais precarizada.

Essa precarização pode ser demonstrada pela simulação da perda financeira de um jovem que trabalha um ano ou dois anos na nova regra comparada à anterior e considerando o valor máximo de remuneração para a nova regra que é de 1 salário-mínimo e ½ . Como o tempo máximo é dois anos, o quadro abaixo sintetiza essa simulação para 1 ano e para 2 anos.

 Chama atenção a uma perda salarial decorrente da menor contribuição do empregador no FGTS, visto que tal fundo deve ser entendido como uma poupança do trabalhador. Como a MP também prevê a redução do percentual da multa rescisória calculada sobre o saldo do FGTS, o resultado é que, depois de 2 anos, um jovem demitido sem justa causa receberá um torno de 20% do que receberia na regra anterior.

Por fim, devido a essa nova regra, o trabalhador que permanecer 1 ano empregado não conseguirá ter acesso ao benefício de sacar R$ 500,00 do FGTS, visto que só terá sido depositado R$ 359,28.

Quadro 1 – Estimativas do impacto da MP sobre a remuneração dos jovens

  Salário Regra antiga:  multa de 40% e contribuição patronal FGTS (8%) Regra proposta:  multa de 20% e contribuição patronal FGTS (2%) Perda estimada
Salário Mensal (valor máximo)  R$  1.497,00  R$       119,76  R$       29,94 -R$       89,82
Disponível para saque em caso de demissão sem justa causa 1 ano  R$    1.437,12  R$     359,28 -R$  1.077,84
Multa trabalhista demissão sem justa causa depois de 1 ano  R$       574,85  R$       71,86 -R$     502,99
Totais estimados para 1 ano    R$    2.011,97  R$     431,14 -R$  1.580,83
Disponível para saque em caso de demissão sem justa causa 2 anos  R$    2.874,24  R$     718,56 -R$  2.155,68
Multa trabalhista demissão sem justa causa depois de 2 anos  R$    1.149,70  R$     143,71 -R$  1.005,98
Totais estimados para 2 ano    R$    4.023,94  R$     862,27 -R$  3.161,66

Fonte: Elaboração própria.

Pode-se concluir que, embora tal medida possa, de fato, estimular a contratação de jovens, tem um potencial para agravar o processo, já em curso, de substituição de pessoas com mais idade por jovens.

Além disso, a tendência de rebaixamento dos salários será inevitável, visto que a MP favorece este padrão de contratado para valores de até 1,5 SM.

Diante disso, percebe-se que a MP tende a oferecer muitas vantagens para o empregador, mas pouco contribui para estimular a demanda (consumo) – condição mais forte para estimular a atividade econômica.


Profa. Dra. Eliane Navarro Rosandiski

Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1992), mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado em Economia Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2002).É professora-extensionista da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, com vínculo integral de 40 horas semanais. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia dos Recursos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: mercado de trabalho, política pública e economia solidária. (Fonte: Currículo Lattes)


Estudo Anterior

Próximo Estudo

Boletim Observatório

Assine nosso boletim e receba no seu e-mail atualizações semanais